Por Amilcar Centeno Silva.
Ao longo do século XX a Agricultura evoluiu de um negócio isolado nafazenda para um negócio regional, nacional e, mais recentemente, num negócioglobalizado. O agricultor, que antes se preocupava apenas com o que ocorriadentro da parteira de sua fazenda agora tem que olhar para o mundo como um todopara entender como gerenciar seu negócio.
O problema é que o mundo não cabe nos olhos ou na cabeça de ninguém, oque nos leva a perguntar: onde devo concentrar minha atenção para entender acomplexidade deste mercado global?
Sempre que lidamos com uma realidade complexa como esta, recomenda-seutilizar primeiro o poder da síntese para identificar o que é de fatoessencial, para depois aplicarmos o poder da análise nestes poucos fatores quemais influenciam o todo.
Caso alguém tivesse a preocupação de me perguntar onde e em queconcentrar o foco para entender o impacto desta economia global nos negócios denossos produtores de grãos e algodão, minha sugestão, mesmo que óbvia, seria ade fechar o foco sobre cada uma destas regiões: Estados Unidos, China,Argentina e África.
Os Estado Unidos ainda é o grande celeiro do mundo e o principalconcorrente do Brasil no mercado internacional de commodities agrícolas. Étambém a referência mundial de preços para estes produtos, principalmenteatravés das bolsas de Chicago e Nova Iorque. Não é para menos que um dosfundamentos que estabelece o preço do milho e da soja é o estoque estimado parao final do próximo mês de agosto, o chamado estoque de virada, pois em setembrocomeça a entrar no mercado a nova safra norte-americana.
Apesar de sua imensa agricultura estar com suas fronteiraspraticamente esgotadas, os EUA ainda crescem em produtividade e eficiência,porém me atrevo a dizer que o fator mais importante a acompanhar na agriculturanorte-americana é o seu programa de biocombustíveis, com a produção de etanol apartir do milho. Este programa consome atualmente cerca de 40% da produção demilho do país, o que equivale a pouco mais de 130 milhões de toneladas ou 15%da produção mundial. Qualquer mudança neste programa pode afetar para cima oupara baixo a cotação mundial não só do milho como também dos demais feedgrains(grãos utilizados para a alimentação animal, como soja, milho e trigo), cujosmercados estão intimamente ligados entre si.
O que mais preocupa é que o uso de milho para a produção de etanol temseus dias contados. De acordo com um novo estudo feito pela Bloomberg NewEnergy Finance e publicado pela revista Exame no mês passado, o preço do etanolproduzido a partir de resíduos agrícolas, como o bagaço, palhas e outros tiposde biomassa, pode se tornar mais competitivo do que o etanol de milho já apartir de 2016. Imagine o que poderia acontecer com o preço das commoditiesagrícolas se os EUA voltassem a colocar no mercado mundial as 130 milhões detoneladas de milho que hoje transforma em etanol!
Outro mercado que todos os que estão envolvidos com a produçãoagrícola precisam acompanhar é a China. Se os EUA ainda é o celeiro, a Chinacertamente é a boca do mundo! Só que não é uma boca que apenas está aprendendoa comer melhor; é também uma boca com uma das mais longas tradições comerciaisdo mundo, e que está sabendo utilizar esta habilidade muito bem para mexer aseu favor o mercado mundial de alimentos.
A China, assim como o restante do continente Asiático, que abriga 65%da população mundial, está impactando o mercado mundial de alimentos muito maispela mudança de dieta do que pelo crescimento de sua população. Esta mudança dedieta é impulsionada principalmente pelo crescimento da economia do país e aconsequente melhoria da renda per-capita desta imensa população. Por isso, ofoco de nossa atenção quando olhamos para a China é o comportamento oucrescimento do seu PIB. Enquanto este indicador mantiver seu acelerado crescimento,a demanda mundial de alimentos vai continuar a pressionar para cima os preçosdas commodities agrícolas. Até este momento a crise mundial não afetou ocrescimento do PIB chinês, mas não é preciso ficar atento ao impacto que oprolongamento desta crise possa ter na demanda mundial pelos produtosexportados pelo país. Outro fator de ruptura deste crescimento poderia ser aeclosão de um conflito regional ou mundial a partir da vizinha Coréia do Norte,fato que estamos acompanhando todos os dias em nossos noticiários. Neste caso,a queda no preço das commodities certamente não seria a pior das consequências.
A Argentina, por sua vez, quando se fala do mercado de alimentos, émais um concorrente próximo e direto do que um parceiro de mercado comum.Costumo dizer em minhas apresentações de que a Argentina tem o melhoragronegócio e o segundo melhor futebol da América Latina! A sua alta eficiênciadentro da porteira, fruto de um ambiente privilegiado e de agricultorescompetentes, associada ao seu desenvolvido sistema de movimentação,processamento e exportação, tem permitido que o agronegócio do país a resistatanto aos castigos de La Niña como aos desmandos de La Señora! Sentimos o pesodesta eficiência quando observamos que só conseguimos exportar milho depois quea Argentina esgotou sua capacidade, e só não somos mais afetados nasexportações de soja porque o grande comprador mundial, a China, prefere compraro grão in natura, enquanto a Argentina é um forte exportador de farelo eóleo.Assim como os vizinhos costumam olhar por cima do muro, devemos manter umolho na Argentina. Afinal são uma excelente demonstração do que poderíamosalcançar se tivéssemos toda a eficiência logística que eles desenvolveram parao seu agronegócio!
Quanto à África, esta é a região para onde devemos manter o olhar dofuturo. Lá está a grande oportunidade de expansão da produção mundial dealimentos, em especial para os agricultores tropicais brasileiros. Esta regiãotambém concentra uma grande parcela da população e da fome do mundo. Quando aÁfrica resolver seus problemas políticos e econômicos, poderá se transformarnum consumidor de alimentos como a China, bem como um produtor de alimentoscomo o Brasil. Resta saber se seremos parceiros ou concorrentes!
Portanto, caso tivesse aoportunidade de apostar apenas em quatro fatores para a análise do impacto daeconomia global em nosso agronegócio, meu palpite seria o programa de etanosdos EUA, o PIB da China, a eficiência da agricultura Argentina e aestabilização econômica e política do continente Africano.
E você? Onde concentraria o seu foco?
PENSE NISSO!
Fonte: 100teno Estratégia Planejamento